Projeto Capelania Urbana

Chique este nome não é? Melhor que dizer “capelania de rua”, é assim, vivem mudando os nomes e parece que os problemas são amenizados.

Nunca me esqueço de que certa feita, ao presidirmos um grupo de homens, dentre algumas atividades de ação social, resolvemos levar lanches para os chamados “moradores de rua” nas praças centrais de São Paulo no Bairro Santa Cecília, mobilizamos umas trinta pessoas, preparamos os pacotes de lanches  com um sanduíche e um refrigerante bem caprichados, embalados com muito carinho, nos dividimos em uns cinco grupos e partimos ajudar as pessoas…

Aí aconteceram pelo menos três coisas interessantes comigo, a primeira é que eu me esqueci de alguns detalhes muito importantes neste tipo de trabalho, saí bem arrumadinho, com meu anel, relógio, uma carteira gordinha no bolso de trás da calça, e enquanto eu abordava os que estavam em uma praça notei que uns três amigos meus ficavam atrás de mim o tempo todo e eu nem percebi, mas tinham uns dois dos tais “moradores de rua” tentando a todo custo subtrair minha carteira do bolso de trás…

Fui alertado discretamente pelos meus amigos, que por acaso eram policiais, acho que por isso mesmo eles tinham essa malícia que as vezes nos falta quando queremos ajudar os outros. Depois disso em outros eventos nós não saíamos mais com todos estes objetos chamativos quando fazíamos este tipo de abordagem, falo sobre esse aprendizado em meu Curso de Capelania, dentre outras coisas que pudemos aprender nestes anos.

A segunda coisa foi que eu abordei um rapaz de uns 30 anos, bem falante, mas drogado, o problema dele era a cocaína, mas ele era um homem que tinhas princípio de moral e honestidade, todavia debilitado pelo vício, conversei com ele e houvi uma história surpreendente que quero compartilhar com você.

Ele me disse que era um engenheiro mecânico, que tinha uma industria no sul do país e que era cuidada por sua irmã, que a droga lhe havia tirado tudo na vida, família, dignidade, vida profissional, enfim, ele estava morando na rua e apenas com aquela mochila.

Confesso que a história me parecia meio que estória, mas senti sinceridade nele e ele não me pediu nada, conversei com ele, tratei-o com amor cristão, e procurei dar a ele o que seria mais importante que qualquer quantia em dinheiro, quando eu fui me levantar, depois de ter dado a ele meu endereço para que me procurasse na minha organização, ele sacou da mochila uma Revista Veja, desfolhou e me mostrou a sua foto, em uma matéria que mostrava a sua empresa, uma grande empresa, nos tempos em que ele era o executivo de sucesso.

Quase chorei de ver aquilo irmãos, mas fiquei ainda mais surpreso no dia seguinte, quando fiquei sabendo que ele havia me procurado na organização e pedido pra meus amigos me dizerem que ele tomara a decisão de voltar para a sua cidade, para a sua empresa, e recomeçar tudo novamente. De alguma forma e milagrosamente, ele ganhara forças para recomeçar.

Esta não é uma história isolada, existem muitas histórias semelhantes, médicos, advogados, professores, jogados pelas sarjetas.

Tenha em mente isso, de que independente da formação e condição social que obviamente nos surpreendem, todos são seres humanos, que em algum momento de suas vidas perderam o ânimo de continuarem na sociedade, precisam e merecem uma nova oportunidade e quem sabe não seja você, sua igreja ou eu quem devemos estender as mãos (sem apontar o dedo).

Foram muitas situações e algumas delas compartilho nos cursos por ter tempo disponível que não temos aqui. mas já encontrei até ex pastor de igreja de 2.000 membros bêbado e na rua com uma mochilinha nas costas, essa foi demais e sinto não poder compartilhar aqui.

O trabalho de abordagem nas ruas exige muito cuidado, e já ocorreram esfaqueamentos em pastores, ou por motivo de desequilíbrio mental do morador de rua ou simplesmente pela abordagem o ter assustado.

O terceiro fato que ocorreu naquele episódio que narrei foi de que comecei a conversar com um morador de rua e de alguma forma em algum momento eu acho que perguntei a ele por que ele estava morando na rua… pra quê fiz isso, o camarada ficou muito irado comigo e apontava para o asfalto e me dizia, que ele não estava morando na rua, senão seria atropelado, mas que ele era uma “pessoa em situação de rua”… aprendi mais uma nomenclatura, “pessoa em situação de rua”…

Mas o texto já está longo demais, vamos narrar apenas duas experiência que tivemos mais recentes, a primeira na pacata cidade de Araçariguama, onde fazíamos um trabalho de capelania às terças, primeiramente orando com o Prefeito da cidade, depois orando na Câmara Municipal e depois ainda ia até os PMs. Vou encurtar e dizer o seguinte, quando orávamos na Câmara Municipal eu tinha um companheiro fiel, o Pr. Joede, que era pastor no Vale da Benção, e nos revezávamos no devocional, às vezes tínhamos alguns outros dois ou três pastores conosco.

A reunião era de portas fechadas, com os funcionários da Câmara e as vezes tinha algum vereador por lá também. Certa feita eu estava incumbido do devocional, que geralmente era uma palavra de 3 a 5 minutos e bem amena, mas naquela manhã eu fiquei confuso pois virei um “canelinha de fogo” e quem me conhece sabe que sou muito calmo e comedido, nada contra os “canelinhas”, e comecei com uma palavra muito específica, como que dirigida a algum bêbado, a alguma pessoa “em situação de rua” (aprendi), e eu mesmo me perguntava o que estava acontecendo comigo em trazer aquela palavra para os funcionários daquela repartição, como se alguém alí tivesse perdido tudo, família, emprego, e se tornara um bêbado pelas ruas…

Eu presumia que todos eram funcionários, confesso que não conhecia todos eles. Pr. Joede ficou me olhando meio estranho, e eu constrangido terminei e fomos embora.

Para minha surpresa, por algum motivo passei por lá no dia seguinte e tinha uma funcionária que estava radiante e me confidenciou:

“Pastor Daniel, eu tenho um irmão que é um bêbado, perdeu família, emprego, vive pelas ruas e pede dinheiro pra todo mundo pra comprar pinga, ele veio aqui ontem me pedir dinheiro, e eu sempre dou, mas o senhor ia começar a oração e eu fiz ele entrar comigo, aquela palavra foi pra ele e aconteceu que ele saiu dali tocado e desesperado querendo ir pra uma clínica, o senhor pode me ajudar?”

Claro que eu ajudei, e este rapaz ficou nove meses em uma clinica, sem nenhum custo para a família, chama-se Léo, meu irmão tem um sorriso lindo vocês não acham?

Neste caso o que vivia na rua veio até nós, mas normalmente nós é quem temos de ir até eles.

Um item da minha missão de vida é inspirar, você se sente inspirado a ajudar pessoas que estão pelas ruas? Calma, pois ainda vou compartilhar pelo menos mais uma história linda sobre a Capelania de Rua.

Nossa igreja em Sorocaba tinha característica de uma igreja bem pequena, umas 15 pessoas, mas esta igreja fez trabalho de gente grande, pelo envolvimento que teve, envolvimento não por minha imposição como pastor, mas por inspiração.

Certa feita, um Evangelista que esteve conosco algum tempo, irmão Rogerio Couto, sugeriu fazer um trabalho de rua com os jovens da igreja, que consistia em distribuir um folheto convidando para o culto grampeado em uma daquelas pipoquinhas doce. E eles sairam pelas ruas do bairro Wanel Ville distribuindo a todos os que encontravam, no Jardim Ipiranga, que era considerado no passado a “favela do buraco quente”, havia uma grande mangueira justamente quase em frente a uma unidade do CRAS, alí ficavam os bêbados, o dia inteiro sentados na calçada. Contam os jovens que pararam e deram alguma atenção aos que ali estavam e todos os bêbados foram atenciosos, e apenas um ficou meio de longe parecendo nem estar prestando atenção, com sua pipoquinha e o folheto na mão. Os jovens foram embora, era um domingo pela manhã.

A noite, após o inicio do culto, entrou pela porta um rapaz com o cabelo desgrenhado, segurando com uma das mãos a calça que era bem grande pra ele e sem cinta, uma camisa esfarrapada, sujo e fedendo. Era justamente o jovem que tinha ficado afastado quando os jovens falavam com os bêbados. Ele foi recepcionado carinhosamente e se sentou no ultimo banco da igreja após receber o boletim que fazíamos com a ordem do culto, portanto tinha impresso o hino que iriamos cantar.

Lá da frente da igreja eu observava a cena enquanto dirigia o culto. O jovem estava visivelmente alterado pela bebida, mas pegou o folheto e tentava a todos os pulmões cantar junto, mesmo sem saber a musica. Cantava com vontade, dizia as palavras do hino com sinceridade em meio a sua embriagues.

Era uma cena patética, mas o culto caminhou, e veio a palavra e enquanto eu anunciava o amor de Deus via a atenção do jovem, mesmo com os olhos sonolentos e pesados.

Fiz o apelo mas não pedi pra levantar as mãos, se ele levantasse as mãos a calça que ele segurava com uma delas para poder andar certamente cairia. Após o apelo ele levantou-se de pronto e dirigiu-se até a mim.

Eu o abracei e oramos com ele, sem saber muito o que fazer, mas de imediato as irmãs da igreja foram até nosso quartinho de roupas para doações (vou fazer um post sobre coleta e doações de roupas) pegaram um calçado pra ele, ele estava descalço, trocaram as roupas esfarrapadas e grandes dele, em seguida, como tínhamos costume, após o culto tínhamos um lanche, não uma cantina paga, mas um lanche que compartilhávamos todos juntos com o que levávamos, e enquanto conversávamos o Cleyton se alimentou ali conosco, tomando um café forte que alguém preparou pra ele e se sentindo abraçado por aquela igreja humilde e aquele punhado de pessoas que procuravam viver um autêntico evangelho de Cristo.

Depois do lanche, o Missionário Rogério e eu conversamos com ele, e perguntamos se ele desejava ir para uma Clínica, ele assentiu que sim, perguntamos ainda se ele tinha onde dormir aquela noite, para no dia seguinte se ele ainda tivesse o mesmo desejo darmos andamento, ele disse que tinha a casa da irmã, que era no mesmo bairro, iria pra lá, o missionário Rogério deu o numero de telefone pra ele ligar.

No outro dia, uma segunda feira (dia de folga dos pastores, rs), cerca de 8 horas, o Missionário Rogério me ligou e disse “Pastor, o homem me ligou, o que faremos?”, e daí em diante tudo aconteceu completamente fora do que ensino sobre a prática de internação de dependentes químico. Pedi uns minutos ao missionário e liguei para alguns irmãos e amigos de uma cidade próxima, da Clínica Força para Viver. Falei com eles e pedi que quebrassem o protocolo de internação que exigia algumas entrevistas e pelo menos uma semana de prazo para poder avaliar o real interesse da pessoa atendida, e marquei com eles naquela manhã mesmo para dali umas duas horas levar um jovem para avaliação.

A cidade de Tatuí dista uns 80 Km de Sorocaba, e o Missionário Rogério e eu fomos buscar o jovem, que a estas alturas não sabia exatamente o que iriamos fazer.

Nós o encontramos limpo e aguardando ao lado de um orelhão, notamos que estava afastado do grupo de bêbados e estava sentado no meio fio da sarjeta cabisbaixo e apreensivo, com um bonezinho com a aba virada pra trás.

Nós o colocamos no carro e partimos para Tatuí.

Veja uma foto deste dia, quando internamos o Cleyton na Clinica Força para Viver, vou fazer um post apenas sobre esta clínica, que tem uma história de atendimento de uns 30 anos e muitos homens e mulheres recuperados.

O missionário Rogério vai a frente e Cleyton de boné logo atrás. Veja que o olhar triste de Cleyton foi substituído por um sorriso de esperança, sentindo o amor dos que o receberam, pra ele tudo isso era novidade.

Após a entrevista eu assumi junto a clinica a responsabilidade financeira da manutenção do Cleyton na clínica, assim como a responsabilidade de visitá-lo a cada 15 dias.

Nossa igreja, como disse anteriormente, era pequena e de poucos recursos, mas assumimos comprometer 50% dos nossos recursos na manutenção do Cleyton, não que sem antes eu conversasse com os irmãos, pois deixamos de rebocar as paredes da igreja para assumir este outro compromisso, a igreja concordou que era mais importante realizarmos este investimento no Reino de Deus, ainda que não pudéssemos saber se o jovem permaneceria internado.

Veja você o resultado após pouco mais de um mês:

Não tem como eu continuar esta história senão vai virar um livro, vou resumir e encerrar e deixar a mensagem de que a Igreja de Jesus é construída e adornada com vidas transformadas, nossa igreja continua pequena, continuava até seis meses atrás com as paredes sem reboque, fraquinha financeiramente, mas se vista pelos olhos de Deus somos uma Igreja muito linda e se no decorrer da existência desta igreja nós tivéssemos alcançado apenas esta unica vida, já teríamos realizado a missão maior do mundo, pois “uma alma vale mais que o mundo todo”. Mas se a sua igreja tem apenas carpetes e mármores e um campanário e uma localização e influência política e social, muito cuidado pois isso tudo  poderá queimar um dia assim como a palha.

Cleyton está limpo até o presente momento e assim permanecerá, para a Glória de Deus e graças a uma igreja que investiu na vida dele, uma igreja que não mediu esforços e nem investimento, o visitando a cada 15 dias, tendo Cleyton posteriormente ficando na casa deste pastor por 15 dias, e concluindo o seu tratamento permanecido na Clinica como um cooperador.

Batizamos o Cleyton, e depois Cleyton trouxe um outro irmão dele que também era dependente químico e morava nas ruas, o Alexandre. Batizamos também o Alexandre que também já concluiu seu tratamento e está trabalhando e cuidando do seu filho Alisson.

Agora Cleyton está de casamento marcado para daqui a um mês da data em que escrevo este artigo, e esta história está apenas no começo.

Capelania Urbana, nada mais é do que ir as ruas como Jeus fazia pelas ruas da Galileia, buscando os que pereciam pela beira do caminho, que hoje denominamos “marginalizados” pela sociedade.

Cleyton de camisa branca e seu irmão Alexandre

Batismo de Cleyton

Batismo de Alexandre

Patricia e Cleyton, de casamento marcado.

Cleyton durante o tratamento e em uma visita a sua igreja

Visita da igreja a Cleyton na Clinica Força para Viver

Comece agora mesmo e faça acontecer em sua igreja!!!

Com amor, Pr. Daniel

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